A noite já começou. A mulherada passa pra lá e pra cá, exalando perfumes enlouquecedores e exibindo um visual capaz de tirar muito pai de família do prumo. Estou na terceira garrafa d’água mineral sem gás. Bebo em largos goles, um após o outro, tentando saciar o insaciável em mim, uma sede de outros tempos ou de outras vidas, quem sabe, que até hoje eu não entendo e ainda não sei como explicar.
Eu observo cada uma das gurias que passa, me apaixono por cada uma delas diversas vezes em uma sequência absurda e indescritível. Tenho sonhos de amores loucos e sem fim que se desfazem para recomeçar logo a seguir, ao pressentir uma nova promessa de febre no semi-árido do meu peito.
Nessas horas, minha impaciência fica patente na velocidade com que dreno copos e mais copos de H2O. O meu desconforto é denunciado pelo suor que verte de todo o meu corpo e pela voracidade com que despedaço o rótulo de cada uma das garrafinhas azuis. Minhas mãos se agitam sobre a mesa, servindo mais uma vez a água insossa. Nessas horas invejo os fumantes: parecem ler os próprios pensamentos na fumaça que expelem a cada tragada, contendo a inquietação dos próprios espíritos. Não contava com aquele maldito diagnóstico de gastrite. Não bastasse me cortar o chocolate, o café, a pimenta, gorduras e frituras, o médico ainda suspendeu meu trago por três meses. Logo a cana, minha inseparável muleta noturna. Ela, que me anima o espírito durante a balada, tornando as cores mais vivas e o meu agir mais destemido e impiedoso.
A cada vez que a noite se aproxima e escuto o chamado selvagem, é nela que eu penso, na malvada da birita, meu escudo e minha arma. Será que um médico não sabe que é impossível sair assim, a seco?
A cada vez que percebo minhas mãos vazias, é como se estivesse nu no meio de toda aquela gente. Fora as vezes em que um gatilho atávico dispara e me faz procurar um copo com um trago de qualquer coisa que não vai estar lá. E todas aquelas mulheres e eu desesperadamente sozinho, indefeso diante de seus encantos? A essa altura do campeonato, algumas doses de uísque ou umas três cervejas, quem sabe as duas coisas juntas, já teriam despregado meus pés do chão e arremessado o meu corpo ao encontro de uma delas...
Mas não, nada disso acontece. Estou aqui, sóbrio e débil. Segregado em um momento que deveria ser de desbravar o inesperado. Não tenho porque prorrogar esse estrondoso massacre psicológico. São três horas da manhã, tarde demais para rasgar as recomendações médicas e recorrer às armas. Vou ao caixa, pago a minha conta e, cabisbaixo, cruzo a porta da festa. Às minhas costas, ficam o som do brandir dos copos, da música hipnótica e das gargalhadas daqueles que podem encher a cara impunemente. Eu, derrotado, tomo a rua escura rumo ao meu quarto, ao meu túmulo.
Cassino, tarde de 15/01/10.