Era uma tarde nublada e eu caminhava pela rua Gonçalves Chaves. Pouco depois de cruzar a Dr. Amarante, embaixo de uma marquise, notei um grupo de crianças – não consegui contar quantas eram e nem perceber se havia meninas entre elas. Fazia frio e elas dormiam amontoadas, envoltas em caixas de papelão. Já passava das 14h e elas seguiam ali, sem dar atenção ao barulho dos carros ou perceber que eu as observava. Talvez ainda entorpecidas pelo uso de alguma droga, com certeza com fome e sujas. Talvez sonhassem com uma vida diferente, com família, casa, comida e um pouco de dignidade. Ou estivessem mergulhadas em pesadelos recheados de abusos e violência. Quem sabe apenas descansassem no escuro de si mesmas, o único lugar em que se consegue uma pequena trégua da vida. Fui tirado daquele transe pelas manifestações de piedade de um ruidoso grupo. Alguns metros adiante, um punhado de pessoas reunia-se em volta de uma pequena árvore. Comoviam-se muito e perguntavam umas às outras quem seria capaz de abandonar aquelas pequenas vidas ali. Alguns já se prontificavam a levar um dos filhotes de cachorro abandonados, amarrados à pequena árvore, para casa.