terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Alucinações de final de ano – I

Depois de alguns dias ausente, eis aqui o fruto de horas de viagem solitária, em que fico matutando um monte de coisas sem sentido. Bom proveito...

O sujeito atrapalhado e tímido adentra o palco do auditório convocado pelo apresentador. A platéia aplaude entusiasmada.
- Oi, meu filho! Como você se chama?
- Meu nome é caboclinho comum, assim mesmo, com minúsculas, falou.
- E o que você vai apresentar para nós nessa noite?
Tentando vencer a vergonha, o rapazinho diz cabisbaixo.
- Na verdade, sou um colecionador de fracassos. Vim mostrar para vocês meu acervo particular de desilusões. Sempre quebro a cara em tudo que faço mas, mesmo assim, eu nunca desisto, emendou.
- Então quer dizer que você é uma pessoa bastante persistente?, perguntou o apresentador.
- Não, acho que não. Na real, eu sou é um pouco masoquista, respondeu com sinceridade o caboclinho.
Gargalhadas, aplausos e gritos ensandecidos na platéia.
Sentindo que está prestes a ganhar a noite, o apresentador não titubeia e questiona:
- E o que nosso programa pode fazer por você, meu caro?
O caboclinho, com os olhos fincados no chão, silencia como quem ordena os argumentos de uma resposta rebuscada.
- Olha, na boa, eu queria mesmo é parar de me desapontar com tudo. Já não acredito em política, religião ou amores. Mas um restinho de esperança insiste em me manter amarrado à idéia de que um dia as coisas vão melhorar. Já tentei me enquadrar no sistema, mas no fundo eu tenho a certeza de que grana e poder não vão responder as minhas dúvidas e inquietações.
Silêncio no estúdio. Com a mão esquerda no queixo, o apresentador analisa de cima a baixo o pobre infeliz.
- É, meu jovem... O seu caso está difícil, disse com voz reticente. Mas fale mais um pouco sobre o que você precisa para ser feliz.
O caboclinho movimenta inquietantemente as mãos nos bolsos como se aquilo o ajudasse a gestar sua resposta.
- Acho que a única solução para mim é a alienação total e absoluta, livre de qualquer questionamento que possa me gerar esse desconforto que é tentar entender o mundo.
De repente, o som de uma sirene estronda dentro do auditório e pequenos pedaços de papel prateado colorido começam a cair do teto. O apresentador grita, entusiasmado:
- Muito bem, meu rapaz!!!! Você é um sujeito de sorte! Nossa produção conseguiu atender o seu pedido.
Nesse instante, a cortina no fundo do palco se abre e dali surgem quatro enfermeiros gigantes que avançam sobre o caboclo e o imobilizam. Um deles aplica uma superdose de tranqüilizante em um dos braços do indefeso fracassado. Emocionado e já sentindo o efeito da droga, ele tenta balbuciar um muito obrigado. A histeria que toma conta do auditório não permite que ninguém ouça seu agradecimento ou veja sua carcaça de caboclinho comum ser retirada do palco, direto para o sanatório da cidade.